Publicado em 22/09/2024 13:47
Criado em 08/11/2021
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Um homem andava pelas ruas do Flamengo com um burrinho sem rabo, tarde da noite. Ele procurava algo nas latas de lixo e nas caçambas. De vez em quando, ele pegava algo que gostava e adicionava ao carrinho. Ora era uma caixa de papelão inteira, ora uma gaveta de compensado, ora uma escova de cabelo velha e esgarçada.
Andou bastante, fez uma montanha em seu carrinho. Quando ficou satisfeito, colocou-o sob uma marquise desocupada e foi dormir debaixo.
No dia seguinte, acordou cedo. Tirou um tapete velho do emaranhado do carrinho, estendeu-o no chão no lugar menos sujo. Pegou então uma placa que estava amarrada na lateral do carrinho e a botou de pé em frente ao tapete: "Qualquer item 1 USD".
Começou a organizar os itens no tapete e os rearranjou algumas vezes até estar contente. Sentou na lateral do tapete e esperou.
As ruas foram enchendo, e as pessoas que passavam vez ou outra faziam comentários do tipo: "Quem vai comprar isso?", "Maluco", "Que fedor" ou "Tira isso daqui".
Próximo ao horário do almoço, um homem de terno bem bacana, lavado e penteado até sua última célula, parou em frente ao tapete.
"Quero comprar aqueles sapatos ali," disse, apontando para um par de sapatos marrons com sola descolada.
"Um dólar," respondeu o vendedor.
"Não, isso aí eu não aceito. Eles valem pelo menos 100 dólares."
"Não posso fazer por mais do que um dólar. Se você não tem trocado aí, o máximo que posso fazer é aceitar uma nota de 10 reais."
"O senhor não está entendendo. Aqueles sapatos ali são muito importantes pra mim. Por favor, faça por 99. Preciso muito deles."
"Não posso aceitar, eles não valem isso."
"Por favor, senhor, o senhor pode doar o restante do dinheiro."
"Você também pode, e aí me dá o dólar que sobrar."
"Não, mas eu não quero doar." O homem penteado fez uma expressão de nojo. "Mas o senhor certamente pode. Por favor, eu ganho bem, não é justo comigo isso. Preciso dos sapatos. Pense bem."
Parou um pouco e tirou o dinheiro da carteira. Contou duas notas de 200, uma de 100, uma de 50, e as estendeu.
"Não, não, isso aí é mais que 100 dólares, não posso aceitar."
"Por favor, pense que leva IOF. Não me complique."
"Não tenho como aceitar essa quantia."
"Faço pix então. O senhor aceita pix? Coloco a quantia certa."
"Não tenho celular e nem pix cadastrado."
"Minha nossa, senhor, mas que tempos, que tempos! Aceita cartão?"
"Somente boleto. O senhor paga e vem buscar amanhã então quando compensar."
"Não, é impossível, não posso esperar mais pra ter esses sapatos."
"Amigo, eles são um dólar. É pegar ou largar. Estou quebrando seu galho aceitando mais. Eles não valem tudo isso. Honestamente, valem até menos."
"Tá bom. Então faça por 400 reais. Eu compro."
"Tudo bem. Quer sacola?"
"Claro," o homem respondeu sem olhar, enquanto guardava suas notas extras na carteira.
Eles trocaram o dinheiro e os sapatos, agora dentro da sacola.
"Se me permite a pergunta, o que o senhor vai fazer com os sapatos? Não combinam muito com o senhor."
O executivo sorriu, estava alegre, se sentia mais leve.
"Nossa, eu vou queimar. Nunca vi algo tão horrível. Se eu pudesse, queimava tudo aqui." Fitou o lixo aos seus pés com desgosto. "Mas não tenho tanto dinheiro assim."